sábado, 27 de agosto de 2011

Florada

Por vezes, o sentimento de fim nos chega.
Mas o que  pensamos ser fim, pode gerar nascente.
É o poder da poda.
Basta perceber o broto,
Regar
E viver a nova florada.

Ismélia Rodrigues Monteiro

Calabouço

Pode se vestir com tecidos da monarquia
Cobrir teu corpo de carne e osso com o luxo dos reis
Entrar em  castelos onde portas se abrem para teus passos de orgulho
Manter o olhar no horizonte enquanto cabeças se dobram em reverência a tua soberba
Crescer em seus pensamentos como um ser absoluto  e magnânimo
Segurar taças,  mostrar anéis
Se manter ereto com todo este peso de adorno e brilho
Mas não abra  tua boca
Pois na primeira palavra o cheiro do calabouço virá.

Ismélia Rodrigues Monteiro

Arbítrio

Que desejo é este que fixa teu olhar na imagem que se foi?
Que querer é este que te faz viver parado  no tempo da foto?
Que sentimento é este que não te deixa ver que agora é saudade?
Que amar é este que te impede de ser livre e te prende a absolutamente nada?

Ismélia Rodrigues Monteiro

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Desapego

      Zeca era peão. Cuidava do gado. Vivia à cavalo. Cortava a fazenda inteira todos os dias.Começou muito novo nesta vida. Vida que gostava. A única que conhecia. Seguiu o pai na mesma fazenda. Ali foi que tudo começou. O olhar que direcionava, o coração que alterava a batida, o rubor da face, um sentir-se bem, muito bem quando ela aparecia.Cecília era filha do dono da fazenda. Quando menina, ficava muito tempo por lá. Principalmente nas férias. Mas agora  prefere a cidade grande onde vive. Este lugar pacato foi perdendo valor para ela. Zeca em seu pequeno mundo, vivia daquele sentimento. Não conhecia outro maior, mais dominante do que pensar em Cecília. Sua princesa de cabelos longos, de mãozinhas pequenas, que andava nas pontas dos pés. Quando criança brincavam o dia inteiro. Ele a ensinou a pescar, a andar à cavalo e a jogar pedras no meio do lago e ficar vendo as ondas. Das gangorras nas árvores, do escorregar nos barrancos, quantas lembranças. Mas isso já vai tempo. Há muitos anos Zeca  não a vê. Só a imagina. A coloca em seus pensamentos de forma especial todos os dias. Quando o sol vai descansar ele deita em seu banco de árvore e fica a pensar nela e a mirar o céu, esperando as estrelas que estão por chegar. Quando  percebe a lua já  domina o ambiente e o céu estrelado já se faz presente. E  por  horas ele fica a imaginar como seria se ela estivesse ali, ao seu lado, de  mãozinhas dadas e uma alegria vem e o sono também. Ele se despede dos companheiros de sonho e se recolhe para um novo amanhã. Anos a fio assim todo dia. O amor e sua amada em seus sonhos que vinham olhando para o céu da noite. E  o tempo ia passando.....
        Hoje notícias diferentes entoavam no ambiente. Cecília iria chegar. Zeca foi tomado por um sentimento inexplicável . A vontade de rever o rosto dos seus sonhos era incontrolável. No meio da tarde movimentos de carros. Coração sobressaltado. Zeca encerrou mais cedo os trabalhos e foi até a casa grande para o encontro. Vinha pensando como ela poderia estar depois destes anos. E de longe a avistou. A respiração alterou. Ela estava no alto da escada da varanda, com o mesmo cabelo comprido, o sorriso da pescaria, mas suas mãos não eram as mesmas. As mãos não estavam livres. Alguém de mãos dadas descia  com ela a escada. Zeca parou, seu corpo esfriou como na morte. De longe e estático ficou a ouvir sobre o casamento que seria na fazenda. Era dor, muita dor.
        No fundo ele sabia que só em sonho. Deixou tudo aquilo para lá e foi até o seu banco esperar o sol descansar e o luar vir cumprir a noite. De repente foi ficando escuro. O céu parecia muito perto, como se pudesse tocar com os dedos. Fechou os olhos por um bom tempo. Olhos inundados. Sentiu uma chuvinha fina em seu rosto. Abriu os olhos. Hoje não tinha estrelas, nem a lua apareceu. Acho que não sabiam o que  sonhar com ele. Então voltou a fechar os olhos e uma leve brisa começou a tocar seu rosto, bem de leve, como se o ninasse, para que ele adormecesse  e não sonhasse mais.

                                                                          Ismélia Rodrigues Monteiro

Espelhos

Não quero mais acordar
Quero vagar em sonhos
Sem peso e calor algum
Quero nada ser
"Insignificar"
Desaparecer
passar por espelhos
E nada ver.

               Ismélia Rodrigues Monteiro

Hipertensão

A vida me fez hipertensa
De tanto lamber o meu sal
O sal que escorre até a boca
Enquanto a paz não vem.

                         Ismélia Rodrigues Monteiro

Tempo

Que tempo é este
Exato
Contado
Implacável
Mensurável?

Que tempo é este
Que em ação é um
Em sentimento outro?

Que tempo é este
Que imutável é
Mas acelera quando feliz estou
E teima em não passar quando meu peito é dor?

                                   Ismélia Rodrigues Monteiro

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Condecoração

Queria te contar uma história
De vitórias e glórias
De troféus e medalhas
Mas sou humana demais para viver uma história assim
E humilde demais para inventar uma.

                              Ismélia Rodrigues Monteiro

Agora

Não posso mais ficar à margem
Por medo ou pudor, só olhar
Agora o tempo é curto, perece
Preciso mergulhar na vida
Inundar de mundo  meu corpo recato
Sair da minha geografia
Nadar, nadar, nadar ...
Até outras enseadas.

            Ismélia Rodrigues Monteiro

Abismo

Agora de nada adianta o alarido
Sucumbiu o amor
Não adianta conspirar
Culpar-se por não pressentir
Agora é luto e dor
Esqueça a cicuta
Aspire a catarse
Mas se for abismar antigos sentimentos
Cuidado para o corpo não ir junto.

                                  Ismélia Rodrigues Monteiro

Olhos entreabertos

    Fui atraído pelo cheiro. Estava caminhando bem cedo como faço todo final de semana. Lugar quieto, afastado. Estrada de barro rodeada de árvores.Parei atento para decifrar a direção do vento. Senti o cheiro vindo. Tomei a direção. Que cheiro forte! Bicho morto?Fiquei paralisado com a visão. O corpo de uma mulher nua. Roupas espalhadas, bolsa aberta, coisas jogadas e uma pequena lâmina ensanguentada. Cheguei mais perto. As formigas tomavam terreno no corpo. Corpo esguio, pele morena, cabelos negros e escorridos. Os fios se juntavam com o sangue que saíra do pescoço. Um único corte no lado esquerdo. Muito sangue. Acho que todo. Como alguém é capaz de tal brutalidade? Nua, deve ter sido violentada. Deve ter lutado desesperadamente pela vida. Tão linda, tão jovem! Muita gente maluca, desequilibrada. Por que ela? Tão linda!Não conseguia olhar para seu rosto continuamente, tinha os olhos entreabertos, meio que fitava, meio que dormia. A boca carnuda. Como alguém teria a coragem de tirar uma vida tão precoce? Aposto que cheia de sonhos. As formigas aumentavam o terreno. Quanto tempo ela estaria ali? Asas negras sobrevoavam. Eu não podia mexer em nada. Quando dei por mim já havia pessoas ao meu redor. A notícia correu. Logo a polícia chegou. Fizeram perguntas. Palpitaram. De repente alguém chegou gritando. Era o irmão, ofegante, com espanto no olhar. Quase junto chegou a mãe. Um rosto sofrido, lágrimas. Se ajoelharam perto do corpo e como se mais ninguém estivesse ali, ele disse: não podia  tê-la deixado sozinha. Eu sabia que ele ia tentar de novo. Ela andava triste, sem sair do quarto, eu sabia!
       Fiquei chocado. Perplexo. Era suicídio! Meu Deus! Olhei novamente para aquele rosto, olhos entreabertos, rosto lindo. Qualquer um se encantaria com ela viva sem saber que amava a morte e eu me encantei com ela morta, achando que amava a vida.

                                                             Ismélia Rodrigues Monteiro

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Canção para Angelo Pessoa

A  palavra que emana do poeta
Toma vida
Toma corpo
Se manifesta.
O lirismo a torna Pessoa.

                   Ismélia Rodrigues Monteiro

Devaneios

Fecho os olhos
Molho os pés nas águas do mar
Voo como borboletas
Corro como pantera enfrentando o vento contrário
Sinto o efeito do ópio, do álcool  e do veneno
Me desconecto
Sou levada pelo pensamento
Te procuro nos meus infinitos
Mas só encontro viagens.

                           Ismélia Rodrigues Monteiro

Visão

Esculpi com tal esmero
O teu rosto em meu olhar
Que por mais que te negue a beleza inata
Em meu foco esculpida tua beleza estará.

                       Ismélia Rodrigues Monteiro

ELA

    Segunda feira. Recomeço. Muitas coisas pendentes para resolver. Eu como sempre atrasado para o início da loucura de uma nova semana. Vou andando apressado, mas isso já é normal. As vezes ando assim, mesmo sem precisar.Acho que a rotina já me contaminou ou me robotizou, sei lá. Hoje tenho que voar. Mil horários a cumprir. Vou cortando a praça rapidamente para ganhar tempo, junto as buzinas, conversas, ofertas, músicas e meus passos socando o chão. De repente esbarro em alguém e derrubo as coisas que em suas mãos estavam. Livros, papéis. Ia me atrasar ainda mais.Abaixei e juntos colocamos tudo de volta em suas mãos. Ela me pediu desculpas seguidamente. Eu querendo sair dali o mais rápido possível  e ela querendo me explicar o que ocorreu. E por mais que eu dissesse que estava tudo bem e já colocando o pé a frente ela me segurou pela mão e começou a falar: Eu me  distraí procurando um pássaro  que cantava bem ali naquela árvore. Era um canto tão lindo. Você não ouviu? Como alguém consegue ouvir um pássaro neste mundo multi-sonoro. Que mulher é esta? E para o meu desespero ela continuou: Eu vinha lentamente procurando o canto do pássaro e quando localizei, virei tão rápido, me perdoe, esbarrei em você. Eu disse que estava tudo bem e segui a mil por hora.
     Reuniões cansativas, problemas, sanduíches, cafezinhos, correria, mais sanduíches. Onze horas da noite. Lar doce lar. Banho, leite quente, cama e sonho. Era ela. Estava no meu sonho. Pude ver tudo o que aconteceu. Ela ia lentamente procurando o canto do pássaro. Lentamente procurando. Usava um vestido comprido com flores na barra, um casaquinho branco e botas nos pés.Tinha cabelos longos, escuros e bem fininhos, onde o vento brincava. Livros e papéis nas mãos. Quando virou pude ver seu rosto. Lindo. Sorriso de menina. Ajudei-a com os livros e papéis. Ela me agradeceu, explicou tudo e se foi. Fiquei acompanhando-a com o olhar até sumir em uma esquina.
     O despertador toca, porém eu não me levanto correndo e nem instantaneamente coloco o meu relógio de pulso. Sei que é terça-feira, sei que deveria correr. Coloco a roupa mais leve que tenho. Vou até a praça e por um instante neste mundo louco, escuto o canto de um pássaro. Fico atento procurando de onde vem o som. Lentamente procurando. E de repente localizo e viro rapidamente.  Ela não está lá. Mas eu estou e o pássaro também.

                                                         Ismélia Rodrigues Monteiro

domingo, 14 de agosto de 2011

Escrita

Escrevo o que me traz contentamento
Sem intenção poética
O outro que lê
É  livre para julgar a arte
Porém, consciente
De que lendo escrita minha
Estará lendo a mim também

                  Ismélia Rodrigues Monteiro

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

No olhar - Para Gabriel Bezerra

Em teus olhos azuis
vejo além da cor.
Vejo a vida que brota
em raios coloridos
e outras nuances de muito pensar.
Por ser você tão menino
e tão vivido também.

Ismélia Rodrigues Monteiro

Traição

Prefiro o cárcere do amor
à solidão fria.
O presente vazio do beijo arredio
à hálito algum.
A dor do amor dividido
à triste ausência que não se pode tocar.

                 Ismélia Rodrigues Monteiro
Dias melhores pra sempre !!