Fui atraído pelo cheiro. Estava caminhando bem cedo como faço todo final de semana. Lugar quieto, afastado. Estrada de barro rodeada de árvores.Parei atento para decifrar a direção do vento. Senti o cheiro vindo. Tomei a direção. Que cheiro forte! Bicho morto?Fiquei paralisado com a visão. O corpo de uma mulher nua. Roupas espalhadas, bolsa aberta, coisas jogadas e uma pequena lâmina ensanguentada. Cheguei mais perto. As formigas tomavam terreno no corpo. Corpo esguio, pele morena, cabelos negros e escorridos. Os fios se juntavam com o sangue que saíra do pescoço. Um único corte no lado esquerdo. Muito sangue. Acho que todo. Como alguém é capaz de tal brutalidade? Nua, deve ter sido violentada. Deve ter lutado desesperadamente pela vida. Tão linda, tão jovem! Muita gente maluca, desequilibrada. Por que ela? Tão linda!Não conseguia olhar para seu rosto continuamente, tinha os olhos entreabertos, meio que fitava, meio que dormia. A boca carnuda. Como alguém teria a coragem de tirar uma vida tão precoce? Aposto que cheia de sonhos. As formigas aumentavam o terreno. Quanto tempo ela estaria ali? Asas negras sobrevoavam. Eu não podia mexer em nada. Quando dei por mim já havia pessoas ao meu redor. A notícia correu. Logo a polícia chegou. Fizeram perguntas. Palpitaram. De repente alguém chegou gritando. Era o irmão, ofegante, com espanto no olhar. Quase junto chegou a mãe. Um rosto sofrido, lágrimas. Se ajoelharam perto do corpo e como se mais ninguém estivesse ali, ele disse: não podia tê-la deixado sozinha. Eu sabia que ele ia tentar de novo. Ela andava triste, sem sair do quarto, eu sabia!
Fiquei chocado. Perplexo. Era suicídio! Meu Deus! Olhei novamente para aquele rosto, olhos entreabertos, rosto lindo. Qualquer um se encantaria com ela viva sem saber que amava a morte e eu me encantei com ela morta, achando que amava a vida.
Ismélia Rodrigues Monteiro
Ismélia Rodrigues Monteiro
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