sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

ESPERO

Hoje em mim se faz  inverno.
Mas lá fora é outra estação.
Espero
Espero amanhecer
O sol virá  aquecer
meu olhar e coração.

Ismélia Rodrigues Monteiro

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

INFÂNCIA

              

         Diminuí  a velocidade do carro para observar melhor a paisagem. Parei no ponto mais alto da estrada. De lá pude avistar a cidadezinha.Dá para ver ela toda daqui de cima.A visão era a mesma de vinte anos atrás. Fui passando devagar e o lugar foi tomando conta de mim.Foi como se estivesse entrando no passado. A mesma porteira da fazenda São Lourenço, o mesmo ipê amarelo, a mesma poeira subindo.
         Parei o carro na entrada da cidade e fui caminhando em meio as lembranças. Espantosamente, tudo estava como era. Neste lugar vivi toda a minha infância. Era bom , muito bom. Depois a família resolveu mudar para uma cidade maior. Como eles diziam: queriam tentar a vida por lá. E lá estamos até hoje, a quatrocentos quilômetros da minha infância.
         Recebi a carta de Fátima e não pensei um só instante em não vir. Uma reunião dos ex alunos para comemorar vinte anos de formatura do antigo primário. De todos, só eu não morava mais por perto. Hoje, penso como era difícil para a professora. Eram todos numa só sala de aula. Séries misturadas. Dona Coralina. Carinhosa. Paciente.
         Mirei a velha   estação do trem. Era a mesma. Ela e seus dormentes. As mesmas casas, as chaminés enfumaçadas dos fogões à lenha. A ponte sem proteção lateral, o carro de boi que  canta, a carroça do leite. A pequena praça, os mesmos bancos, o coreto, a casa de marimbondo. A igrejinha de Santa Rita , suas roseiras e sua torre sem sino. Os mesmos cheiros. O cheiro do lugar, do café, do melado, da goiabada de tacho, dos temperos do passado. O tempo passou e tudo continuou ali.
         Dobrei a esquina. Ela estava lá. Escola municipal XV de novembro. Atrasei os passos. Senti como se estivesse com os meus livrinhos debaixo do braço. Senti o cabelo molhado, partido para um lado. Senti o coração. Continuei devagar. Cheguei até o mesmo portão de ferro na frente da escola. O choro veio, mas preferi guardá-lo para mais tarde. Entrei como que para uma nova aula. Escutei conversas e risadas vindas do antigo refeitório. Lá estavam eles. Fátima e seu cabelo comprido, Dulce e seu vestido colorido, Tonico e seu fundo de garrafa, Ana Maria e sua gargalhada. E outros iam chegando. Agora estávamos lá de novo como se o tempo não tivesse passado. Ao fundo, na cabeceira da mesa estava ela. Dona Coralina.O mesmo casaquinho sobre o vestido, cabelos presos, batom rosa e alfazema. Acho que o tempo parou por aqui. Quando me avistou, ficou quieta por alguns instantes. Achei que não iria me reconhecer. De repente juntou as mãozinhas no peito, depois abriu os braços e veio ao meu encontro. Parou na minha frente e me disse com o mesmo jeitinho que explicava as lições: meu filho, quanto tempo, você não mudou nada. Aí o choro veio e não pude guardá-lo mais.


           Ismélia Rodrigues Monteiro

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O SUMIÇO DE SÃO JOÃO BATISTA

Ainda não era seis da manhã quando abri minha lanchonete na rodoviária. Mais um dia. Gente de todo lado e pra todo lado .Por aqui tem sempre uma história, gente que vai e chora, gente que vem e chora, mala perdida, gente que perde a passagem, outros perdem a viagem, brigas, encontros e desencontros, algum trabalho pra polícia de vez em quando, e por ai vai. Movimento é o que não falta neste lugar. Eu já me acostumei a essa rotina. Também, estou aqui a dezenove anos,  idade da minha filha mais nova. Sempre no caixa, afinal o estabelecimento é meu e como dizem, o  olho do dono é que engorda o porco.
Apesar da rotina, não sei explicar, hoje foi diferente.  Começou com uma senhora de cinqüenta e poucos anos, com um vestido vermelho, que chegou ao meu balcão e pediu a um de meus atendentes café com leite e pão com manteiga. Aquilo me chamou atenção. Não o que ela pediu, mas como ela pediu. Ouvi aquela voz baixinha pedir usando termos como: meu querido, por favor, se não for incomodar, você poderia  fazer a gentileza de me servir e por aí vai. Fiquei encantado com a educação. E no final, veio um muito obrigada, um Deus lhe pague e fique com Deus. Mas o diferente mesmo, foi  depois que ela saiu do balcão e foi se sentar nas cadeiras de espera, em frente a minha lanchonete. Em seguida sentaram junto a ela duas senhoras, uma mulher mais nova, uma  menina de uns oito anos e dois meninos gêmeos idênticos inclusive nas roupas. Aos poucos percebemos que era avó, tia e mãe. Pela bagagem iam para longe. A menina era quietinha, sentadinha com uma bonequinha nas mãos parecia esperar tranqüila a hora da viagem, mas os meninos, não paravam quietos. Se ouvia a todo instante alguém chamar por eles. Eric Patric, venham pra cá. Eric Patric, saiam daí, Eric Patric, parem de correr, parecia até um nome só. Eric Patric pra cá, Eric Patric pra lá. Aliás eles pareciam um só. Por uma única vez escutei o nome da menina, Pâmela. Só nome de artista! A senhora de vestido vermelho e de voz baixinha, voltou a minha lanchonete e pediu uma garrafinha de água. Ao me dar o dinheiro  me disse: olha que graça esses meninos gêmeos, cabelinhos enrolados , parecem com São João Batista. Umas gracinhas! Que pareciam com São João Batista, eu até concordei, mas de santos não tinham nada. Que meninos levados! E a gritaria Eric Patric continuava. Até que de repente, todos se levantaram e começaram o olhar em volta, inclusive a senhora de vermelho. Fiquei curioso. A mãe começou a se desesperar. A avó com as mãos na cabeça, a tia fazendo o sinal da cruz, Pâmela continuava sentada com sua bonequinha e a senhora de vermelho  olhava para todos os lados. O curioso é que ninguém falava nada, até  que a mãe chegou bem perto de um dos meninos, olhou bem  para ele por um tempo e depois gritou com toda força: Patric, onde está você? Entendi na hora. Um  dos  meninos tinha sumido. E só a mãe para saber qual.E a gritaria continuou, era Patric pra lá, Patric pra cá . Eric foi usado  como modelo, um retrato falado ao natural. E ele ia pra todo  lado no colo da avó e o que  se ouvia era: o menino que sumiu é igual a esse. Chegou segurança, polícia, depois o pai e  o tio da criança. Começou uma mistura de gritaria com choradeira. De repente, no meio daquela confusão a senhora de vermelho chegou até a mim e com sua voz baixinha e seu jeito educado, me perguntou se eu poderia dar a ela o número do meu telefone para que  quando chegasse ao seu destino, pudesse me ligar para saber se acharam o menino, que ela estava indo com o coração  apertado. Estava sofrendo com o sofrimento da família. Pensei comigo, pessoa de coração bom, de sentimento. Dei o telefone da lanchonete e do  meu celular. Ela me agradeceu com aquele jeitinho  e foi pegar o ônibus ainda em meio ao tumultuo e desespero da família. Aquela tarde foi longa.  Até o meio da noite, nada de Patric. E os comentários não eram bons. Muitos roubos de criança sem solução. Já estava arrumando as coisas para fechar a lanchonete quando o meu celular tocou. Era ela, a senhora de vermelho. Atendi e ouvi aquela voz baixinha que me falou boa noite, desculpe por estar incomodando entre  outras coisas e finalmente me perguntou com uma voz  tremula: O nosso São João Batistinha apareceu? Fiquei por um segundo congelado, não sabia como dizer a ela. Tive pena , um coração tão bom! Então,sem pensar muito, falei  que o  tinham  encontrado no banheiro das mulheres e que  tudo ficou bem. Afinal, mesmo que o encontrassem, nem eu saberia. Porque então deixá-la sofrer em seus pensamentos. Achei melhor assim. Pelo menos desta forma, Patric voltou para alguém.

          Ismélia Rodrigues Monteiro

O CHAMADO

Numa cidade do interior vivia Elvira.  Mulher de trinta anos, ainda solteira, professora , tímida e de hábitos simples. Sempre se apresentava socialmente de forma muito recatada, com movimentos corporais contidos e com um lindo e  leve sorriso. Uma pessoa que passaria despercebida  se não fosse pelo o fato de ser  chamada  de forma intermitente. Só Elvira escutava.Onde  estivesse, vinha o chamado e imediatamente ela ia ao encontro daquela voz, o  que as vezes a colocava em situação delicada , em casa, na rua,  na escola, na igreja, onde estivesse . E assim, Elvira ia levando sua vida sob a tensão de não saber quem a chamava de forma tão intensa e freqüente e sob os olhares e comentários dos que não ouviam e não entendiam o chamamento. Mas Elvira em seu íntimo, queria dar rosto  a voz. Ela dizia para as pessoas mais íntimas que era uma voz masculina, de uma sonoridade bonita de se ouvir. A vontade de personificar a voz a dominava, por isso procurava de onde estava vindo o  chamado. Elvira ouvia, parava, virava e nada via, nem ela e nem ninguém. E assim o tempo foi passando, e ela ia  procurando e procurando na esperança do encontro. A rotina foi ficando cada vez mais complicada e as pessoas preocupadas. A convenceram, de forma carinhosa e protetora a procurar ajuda.E assim iniciou-se todo um processo de tratamentos, medicamentos, aconselhamentos, mil vozes reais contra uma única imaginária. E aos poucos, dizem, que Elvira foi deixando de ouvir aquele chamado que de certa forma a movia, a nutria. O tempo passou.  Hoje, quando se comenta o fato na cidade é como algo que ficou no passado. Afirmam que continua a mesma Elvira, quieta, tímida, recatada, de hábitos simples, porém,  sem o seu  leve sorriso .

           Ismélia Rodrigues Monteiro

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

UM PEDAÇO DE CHÃO SECO

              

                               No interior do nordeste existia uma pequena cidade, de poucos habitantes de nome Pilares. Cidadezinha simples. Apenas uma rua  a cortava  ao meio.Seu povo vivia do campo, quase um comércio de troca. Tinha uma única venda que era uma mistura de bar, mercado, farmácia, correio, pensão, um lugar de encomendas e recados. Tudo girava em torno da venda de Seu Luiz Braz, um senhor de 70  anos e que a vida toda esteve ali.O estabelecimento era um  galpão grande com um balcão comprido,  algumas mesas, bancos e redes. De necessário tudo tinha, pelo menos para aquele povo. Nos finais de tarde muitos ficavam por ali proseando e tomando uma pinga ou sentados na calçada da venda que era mais alta que a estrada e onde as pernas ficavam balançando.  Olhavam a rua  onde  crianças brincavam,  passavam cavalos e seus cavaleiros, algumas bicicletas e raríssimos carros. Estes, só de viajantes, que iam levantando a poeira até o final da visão. Aos domingos era festa. A pequena igreja de Santa Cecília,do outro lado da rua, que durante a semana virava escola, ficava cheia, O padre vinha de fora, a missa era as onze horas e muitos já vinham almoçados. Depois ficavam todos ali ao redor da venda, o grande ponto de encontro .  Era o que se tinha  e para eles era o melhor.
 Em um  13 de outubro pessoas de fora chegaram ao lugar.  Homens do poder. Reuniram o povo e comunicaram de forma definitiva que Pilares  seria inundada  pelas águas do grande rio. Males do progresso. Todos passariam a  viver em  uma Nova Pilares construída pelo governo.Da mesma forma que as águas invadiriam,  a dor invadiu os corações. A saída foi acompanhada de uma aflição e de um sentimento de perda inestimável. Aquele pedaço de chão seco que os acolhia tão bem, não iria mais existir  . E as águas vieram inundando, arrastando, levando o que podia e muito mais .Ninguém voltou lá para ver como ficou, ninguém teve coragem.
 Em Nova  Pilares, Seu Braz continuou com seu comércio, mas agora bem menor. Lá, o banco era junto ao correio, tinha uma farmácia de verdade, posto de saúde, a igrejinha ficou maior e o padre morava nela. A escola nova tinha até quadra de esporte. A Nova Pilares era nova , mas não era ela.  Anos se passaram e aconteceu o que foi para muitos um milagre. Com o novo desvio das águas,  Pilares sairia debaixo  do grande rio. Mesmo sabendo que ninguém mais poderia voltar a  viver  lá, uma mistura de alegria, saudade  tomou conta daquela gente. Os corações se encheram de um sentimento que não podiam explicar. O tempo passou e a água secou. Aos poucos um e outro ia até lá  para ver o que restou  .  Seu Braz não pode voltar, o seu tempo foi menor do que a saída das águas. A antiga professora,  casou-se com um militar e foi embora para capital, as crianças cresceram e as lembranças diminuíram. Hoje, aos domingos, alguns se reúnem no que restou da antiga calçada da venda  de onde não mais se balançam as pernas e ficam ali remoendo as lembranças e olhando para o que era a antiga rua, onde nada passará, nada além do passado.
                                       
                                                     Ismélia Rodrigues Monteiro

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

ESPAÇO

Uso a palavra como caminho,
já que meus pés e meu olhar
não sabem cortar o espaço
e te encontrar em outro lugar.

Ismélia  Rodrigues  Monteiro