quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

INFÂNCIA

              

         Diminuí  a velocidade do carro para observar melhor a paisagem. Parei no ponto mais alto da estrada. De lá pude avistar a cidadezinha.Dá para ver ela toda daqui de cima.A visão era a mesma de vinte anos atrás. Fui passando devagar e o lugar foi tomando conta de mim.Foi como se estivesse entrando no passado. A mesma porteira da fazenda São Lourenço, o mesmo ipê amarelo, a mesma poeira subindo.
         Parei o carro na entrada da cidade e fui caminhando em meio as lembranças. Espantosamente, tudo estava como era. Neste lugar vivi toda a minha infância. Era bom , muito bom. Depois a família resolveu mudar para uma cidade maior. Como eles diziam: queriam tentar a vida por lá. E lá estamos até hoje, a quatrocentos quilômetros da minha infância.
         Recebi a carta de Fátima e não pensei um só instante em não vir. Uma reunião dos ex alunos para comemorar vinte anos de formatura do antigo primário. De todos, só eu não morava mais por perto. Hoje, penso como era difícil para a professora. Eram todos numa só sala de aula. Séries misturadas. Dona Coralina. Carinhosa. Paciente.
         Mirei a velha   estação do trem. Era a mesma. Ela e seus dormentes. As mesmas casas, as chaminés enfumaçadas dos fogões à lenha. A ponte sem proteção lateral, o carro de boi que  canta, a carroça do leite. A pequena praça, os mesmos bancos, o coreto, a casa de marimbondo. A igrejinha de Santa Rita , suas roseiras e sua torre sem sino. Os mesmos cheiros. O cheiro do lugar, do café, do melado, da goiabada de tacho, dos temperos do passado. O tempo passou e tudo continuou ali.
         Dobrei a esquina. Ela estava lá. Escola municipal XV de novembro. Atrasei os passos. Senti como se estivesse com os meus livrinhos debaixo do braço. Senti o cabelo molhado, partido para um lado. Senti o coração. Continuei devagar. Cheguei até o mesmo portão de ferro na frente da escola. O choro veio, mas preferi guardá-lo para mais tarde. Entrei como que para uma nova aula. Escutei conversas e risadas vindas do antigo refeitório. Lá estavam eles. Fátima e seu cabelo comprido, Dulce e seu vestido colorido, Tonico e seu fundo de garrafa, Ana Maria e sua gargalhada. E outros iam chegando. Agora estávamos lá de novo como se o tempo não tivesse passado. Ao fundo, na cabeceira da mesa estava ela. Dona Coralina.O mesmo casaquinho sobre o vestido, cabelos presos, batom rosa e alfazema. Acho que o tempo parou por aqui. Quando me avistou, ficou quieta por alguns instantes. Achei que não iria me reconhecer. De repente juntou as mãozinhas no peito, depois abriu os braços e veio ao meu encontro. Parou na minha frente e me disse com o mesmo jeitinho que explicava as lições: meu filho, quanto tempo, você não mudou nada. Aí o choro veio e não pude guardá-lo mais.


           Ismélia Rodrigues Monteiro

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